Conto - O Cativeiro

ㅤㅤ Cinco dias. Cinco dias foram exatamente o tempo em que ela passou naquele cativeiro – vitima de um seqüestro relâmpago.
ㅤㅤ Não importava se fechava ou abria seus olhos, a escuridão não iria embora. Nem sua imaginação dava conta daquelas trevas. Era como estar cega. A venda posta sobre seus olhos, á exatamente cinco dias, tinha obscurecido a sua visão desde o dia em que ocorreu o seqüestro. A última imagem que presenciou foi à mão de um homem lhe tapar os olhos, vendo assim uma densa penumbra. Seguidos de longos choros de angustia, ela foi arrastada pelo homem até um carro; nem mesmo ela sabia onde estava indo, só sabia que estava em extremo perigo. Depois veio a venda. Ele a apertou com tanta violência no rosto dela que as veias de sua cabeça saltaram pela dificuldade na circulação do sangue. O homem a jogou na parte traseira do carro, onde ela emitia gritos de ajuda e, de vez em quando, implorava ao seqüestrador que a deixasse ir. Ele não ligou; aquelas palavras entravam por um ouvido e saiam pelo outro. Deu a partida no carro e foi para o seu destino, o cativeiro.
ㅤㅤ Jennifer não podia descrever como era o local, afinal, ela nunca o vira, pois seus olhos nada viam. Mas o seu corpo podia dar uma simples descrição do cativeiro: o chão era áspero com pedrinhas espalhadas em volta. Ao encostar-se na parede podia sentir canos de ferro e uma forte vibração vinda de seu interior – era água, e isso era notado pela umidade do local. Jennifer ouvia pingos caírem ao chão, formando pequenas poças. Parecia haver algum tipo de vazamento nos canos. Era impossível afirmar se havia luz no cativeiro, pois não havia nenhuma brecha em sua venda para notar algum feixe de luminosidade. Ele amarrou tão forte, sussurrava ela.
ㅤㅤ Acima de tudo, Jennifer não conseguia se mover para tentar se livrar da venda. Suas mãos foram amarradas firmemente em suas costas; suas pernas também se encontravam no mesmo estado. Caso ousasse a se mover, seus músculos se contorceriam e uma baita cãibra surgiria em seus braços e pernas. Jennifer desistiu de se livrar das cordas no terceiro dia, quando a dor não era mais suportável. Chegava a emitir um grito aterrorizador quando a cãibra chegava.
ㅤㅤ Os pingos de água eram as únicas coisas ouvidas naquele cativeiro durante os cinco dias em que Jennifer ficara ali. Havia até cronometrado o tempo em que cada gota demoraria a cair. Um, dois, três, quatro – a gota caia-, um, dois, três, quatro – outra gota caia-. Seus ouvidos começaram a se enlouquecer com o barulho repetitivo. Jennifer fazia qualquer coisa para ignorá-los. Cantarolava. Assobiava e até tirava uma soneca. Mas eles penetravam em seus sonhos, os fazendo virar um terrível pesadelo. Mas, calculando as circunstancias, haveria pesadelo pior que aquele?
ㅤㅤ O sexto dia chegou, e a fome fazia o estomago de Jennifer embrulhar-se e roncar sem intervalos. Sua boca estava seca, nem conseguia mais produzir saliva. A qualquer momento a morte poderia encontrar aquele cativeiro e levá-la para sempre. O que ele quer de mim?, ela se perguntava durante horas. Jennifer não sabia, mas aquele sexto dia seria o dia de sua liberdade; ou não.
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ - Olá!– Disse uma voz, ecoando pelas paredes. A voz veio mais duas vezes.
ㅤㅤ Um instinto de sobrevivência colidiu nos sentidos de Jennifer. Alguém veio salva-la daquele terrível lugar. Aqui!, ela gritou, Por favor!. Sua voz era fraca e rouca pela falta de liquido. Por um instante, Jennifer imaginou que o homem não tinha a ouvido, mas se enganou.
ㅤㅤ Depois de seis dias, ela ouviu uma coisa além das gotas caindo do teto: passos apressados e uma respiração pesada e lenta. Jennifer gemeu em forma de manifestação. Não tinha mais possibilidade de gritar, a falta de liquido chegou ao auge.
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ - Estou aqui, não se preocupe mais. – Disse a voz, mais audível. Era um homem. Jennifer argumentou a possibilidade.
ㅤㅤ Ao sentir o homem lhe tocar o corpo ela rapidamente se encolheu. É o seqüestrador, pensou. Mas não era. O homem viera até ali para salva-la. Jennifer botou sua confiança em andamento e afrouxou seu corpo. O estranho colocou a mão atrás de sua cabeça, retirando o nó da venda. Jennifer sentiu o sangue de sua cabeça circular agora com mais facilidade. Um alivio. Então, o homem retirou sua venda.
ㅤㅤ Primeiro viu um borrão, uma luz ofuscante atingir-lhe seus olhos. Piscou dezenas de vezes, esperando que o borrão fosse embora. O homem a sua frente parecia um desenho desmanchado. Conforme piscava, repetitivamente, Jennifer sentia sua visão voltar ao normal. O cativeiro era como imaginou, mas ali haviam luzes. Luzes fortes e ofuscantes. Só não conseguiu distinguir onde estava. Ao olhar para os cantos imaginou que ali fosse um sistema de esgoto. Mas havia outros locais que se pareciam como aquele onde se encontrava.
ㅤㅤ Em seguida, o homem tirou os nós das cordas que a amarravam e a libertou. Jennifer sentiu seu corpo livre. Seus braços e pernas ficaram moles por alguns instantes. Primeiro tinha que se acostumar com aquela posição; algo que não fazia á dias.
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ - Obrigada. – Foi á única coisa que disse e a única que lhe veio á cabeça. Tinha outras perguntas a serem feitas, mas aquela não era o momento.
ㅤㅤ O homem se levantou e deu sinal para que Jennifer o seguisse. Ela obedeceu e, ainda não acostumada com o fato de ter as mãos e pernas livres, o seguiu.
ㅤㅤ O longo túnel em que andavam era realmente como um esgoto. A água passava em meio ao túnel, numa espécie de buraco feito no chão. Jennifer começava contestar a idéia de que estava embaixo da terra, num esgoto; mas, ao olhar para cima, não viu nenhuma tampa que a deixasse ir para ruas. Foi uma pena. Se houvesse uma tampa ali, ela e o homem poderiam sair mais facilmente do cativeiro.
ㅤㅤ Entre as duas respirações, a do homem e de Jennifer, uma sairia vencedora: o homem. Ele aparentava estar mais tempo ali. Seu estado era simples de se descrever: magro, fraco, roupas rasgadas e o rosto sujo e suado. Seu estomago não roncava assim como o de Jennifer. Aparentemente ele havia se alimentando algumas horas atrás.
ㅤㅤ Alguns minutos se passaram e os dois pobre coitados notaram uma luz no final do túnel. Conforme se aproximavam, a luz e a saída do túnel iam ficando cada vez mais nítidos aos seus olhos cansados. Aceleraram os passos. Uma onda de alegria irrompeu sobre os dois. Jennifer sorriu depois de seis longos dias presa naquele cativeiro. O homem, por outro lado, conteve seu sorriso para quando se encontrasse livre. Sim, ele não gostava de se precipitar.
ㅤㅤ Nenhum dos dois esperava por mais nada a não ser ir de encontro com a luz e a liberdade, mas isso ainda não iria acontecer. Um homem cruzou um dos corredores que ficava interligado a saída e entrou em frente a ela. O sorriso de Jennifer desmoronou, como uma criança que tivesse recebido o presente de natal errado. Os dois pararam de correr. O seqüestrador continuava parado, bloqueando a saída do túnel. Ele usava uma roupa de açougueiro, coberta de sangue por todos os lados. Só Deus sabia os terríveis crimes que aquele homem cometeu em honra á um poder pagão.
ㅤㅤ O seqüestrador deu um passo para frente, em seguida outro; e outro. Sua intenção era alcançar os dois fugitivos. Não, ele disse, Hoje não. Jennifer e o homem deram meia volta e correram, ambos indo para direções diferentes. O homem entrou em um corredor mais próximo a ele, correndo loucamente para salvar a própria vida. Jennifer voltou o caminho todo, mas não voltou para o seu cativeiro – assim desejava o seqüestrador. Ela cruzou um outro corredor próximo onde ficava o seu cativeiro.
ㅤㅤ Este era mais luminoso, mas o cheiro de podre era notável. Seu corpo parecia ter ficado mais leve, isso pelo fato de sua adrenalina estar a ativa. Corria como nunca havia corrido antes. Não parou nem para olhar para trás. O túnel parecia acabar numa parede soterrada por pedras de vários tamanhos e formas; algo acima deles parecia ter causado aquele deslocamento. Ainda havia uma saída daquele túnel. Do lado esquerdo da parede, próximo ao final, havia uma porta dupla de madeira, idêntica as usadas em castelos medievais.
ㅤㅤ Antes de entrar por entre aquela porta, o que supostamente poderia ser sua saída para liberdade, ela ouviu um tiro e um gemido agonizante de um homem morrendo. Ele o matou, pensou ela. Empurrou a porta dupla, com um pouco de dificuldade por se pesada, e adentrou no local.
ㅤㅤ Não era nenhuma saída e nenhum outro túnel; era uma espécie de sala, mas uma sala bem desarrumada. O chão laminado era sujo. Sangue era visto pelas paredes e espalhados pelo chão, como se alguém não se importasse onde jogá-lo. Uma pequena mesa de cirurgiã se encontrava no final da sala; estava coberta de sangue, onde dezenas de pingos caiam das bordas. O som de pingos iria perseguir ela pela vida inteira. Mas aquilo era sangue pingando e não água. A cada gota que caia no chão, Jennifer podia ouvir uma alma chorando e outra pedindo por misericórdia. Não agüentava aquilo, não mais.
ㅤㅤ Caminhou pela sala e, quando se virou para o outro lado dela, foi que viu: uma pequena montanha de corpos humanos, mortos, e com algumas partes de seus corpos arrancados. O cheiro que sentiu foi indescritível. Um cheiro que seu nariz conseguiu suportar graças a adrenalina, mas foi diferente com o seu estômago. Jennifer curvou o corpo e vomitou. O pouco de liquido que seu corpo carregava saiu pela sua boca. Fraca, ela caiu de joelhos ao chão, em cima do seu vomito. Não achou nojento, nenhum pouco. Havia muito mais coisas nojentas a sua volta.
Um, dois, três, quatro – Uma gota de sangue caia de cima da mesa. Um, dois, três, quatro – ㅤㅤ Outra caia, como um choro de uma criança com medo do bicho papão.
ㅤㅤ Inesperadamente, algo pesadíssimo foi jogado sobre ela. O homem que estava ajudando a sair do cativeiro poderia ser magro e fraco, mas mesmo assim ele era bem pesado calculando a altura de que fosse jogado. Jennifer gemeu, de dor. O homem, morto, com um tiro nos pulmões, deslizou de cima do corpo de Jennifer e desabou ao lado. Jennifer voltou a ficar de joelhos, desnorteada. Ouviu passos, mas não ousou se virar. Seu instinto de sobrevivência e sua adrenalina falharam. Não sentia força nem para respirar. O seqüestrador ficou atrás dela, puxou seus cabelos e passou uma faca afiadíssima em seu pescoço.
ㅤㅤ Antes de pertencer a escuridão, Jennifer ouviu a voz diabólica do seqüestrador sussurrar em seu ouvido: Um, dois, três, quatro.


Fim.


Escrito por: Victor Hugo Bollari

1 comentários:

Fernanda Ribeiro

Queria ter pelo menos um terço de sua imaginação, está realmente muito MUITO bom *-* sou sua fã MUUITO fã!

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